Entre Limões, Chá e Café

Era um dia desafiador, um desses dias que você considera parar de fazer limonada com limões que a vida arremessa em você. Uma sexta feira, a pouco havia passado na casa do Si Fu para cuidar dos gatos, Si Fu estava viajando com a Si Mo e eu estava sozinho no Mo Gun após ir a sua casa.
(Cadeira do Si Fu Vazia/📸 Si Mo)

Varro, coloco a água do chá para esquentar e vou até o Muk Yan Jong para executar a sequência, ou tentar … esqueci a sequência ainda na primeira parte. Meu coração estava cheio de folhas, folhas essas que se eu tivesse que apostar diria ser de um limoeiro. Recebo uma notificação no meu celular é uma foto minha de um ano atrás fazendo a sequência, acho que vim rir de mim mesmo.

Às vezes eu me pergunto se o meu eu do passado se orgulharia da pessoa que me tornei e a verdade é que mesmo sem lembrar da sequência, na maior parte das vezes a resposta é sim, mas as vezes a resposta é não, e tá tudo bem, afinal também somos feitos de pecado e eu pretendo des-cobrir os meus.

Ouço um barulho, é a chaleira desarmando. 

Com o chá pronto, sento no chão em frente a mesa ancestral olhando para o quadro do Si Taai Gung Moy Yat, ele parecia estar se divertindo com a minha situação de amnésia e seria uma mentira dizer que eu também não estava. 
(Retrato Si Taai Gung Moy Yat/ 📸 Rúbia)

Meu chá ainda estava quente o Si Jo seguia rindo de mim e eu refletia sobre o chá, aquele chá era como a minha vontade de estar mais no Mo Gun, quente e em alguma medida inacessível, ainda que estivesse na minha mão, percebo que a há pelo menos duas medidas possíveis, uma esperar que se esfrie, o que leva tempo, outra tomar uma ação que vá para além da minha vontade. Escolho assoprar o chá, mas acho que não era sobre o chá que eu falava, a medida que assoprava mais menos me enxergava e ainda não falo sobre o chá.

Quando se está disposto, é possível extrair uma lição dos lugares mais inusitados, me preocupo sobre meu reflexo mas já ouvi uma história a respeito de um homem assim. Acho que é hora de tentar de novo.

Como o Muk Yan Jong é um elemento externo ao corpo e um domínio sem natureza, responde ao que projeto nele, se eu continuar cheio de folhas assim é capaz dele me arremessar limões de volta, talvez seja verdade que as folhas sempre se acalmem, e que quando se acalmam e seu corpo se lembra do que precisa ser feito. E lembrou.

Em pensar que ver meu reflexo me deixaria tão vaidoso, cultivando narcisos, logo eu que prefiro café.


Quando sair daqui vou ligar para o Si Fu, acho que tem alguma coisa no chá.

(Ting Tong / 📸 Rúbia)
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Ting Tong: Salão dedicado à Ancestralidade;
Muk Yan Jong: Instrumento de pratica do Sistema Ving Tsun.
Folhas: referencia a uma expressão chinesa, Ming Saam, Ip Saam, onde Ming Saam é um Saam puro e Ip Saam um Saam coberto por folhas;
Saam: Equivalente a mente e coração.

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